Em visita a Achada Grande Frente, Ulisses foi peremptório: “AGORA É TOLERÂNCIA ZERO!”

Posted by Jailson Oliveira On sexta-feira, 3 de junho de 2011 0 comentários

Ao fim de duas semanas sem água, e à míngua de electricidade por largos períodos, o edil da Praia foi ao encontro do povo, sentindo as dores das gentes que se plantam de ar austero e irritado nas filas de bidões que enxameiam as frontarias de chafarizes

Os bidões fazem fila, num serpentear de amarelo que se espraia na rua.
Os bidões fazem fila, num serpentear de amarelo que se espraia na rua.
Praia, 3 de Junho – Junto ao chafariz de Achada Grande Frente as mulheres conversam entre si, transportando crianças à ilharga. Os bidões fazem fila, num serpentear de amarelo que se espraia na rua. A chegada da comunicação social não passa despercebida e, pelo que nos apercebemos, pela primeira vez em muito tempo as pessoas verberam contra o Governo. Já não é um murmúrio: é grito pungente de quem atingiu o limite da paciência. E isso é um sinal novo a exigir leitura atenta. Porque esta falta de água pode bem vir a transformar-se em coisa maior, daquelas que fazem tremer os governos…

“Todo mundo sabe que a culpa não é da câmara”. Assim, sem mais, o homem pequeno atira para a frente um vozeirão a contrastar com a modesta estatura, como que a saudar Ulisses Correia e Silva que, nesse mesmo momento, abraça o povo com o olhar, num sinal que diz tudo e que é devolvido nos rostos de cada um, de cada uma, das pessoas cansadas de não terem água nem voz.

Indignação popular sobe de tom
Indignação popular sobe de tom
A voz do homem pequeno de Achada Grande Frente ecoa, ainda, no ouvido do repórter, como um grito de alerta, como coisa trazida lá do fundo distante de um passado guerreiro que, ciclicamente, percorre a memória deste povo e as vivências do país, como que anunciando tempo novo. E ainda atira, com ar de desafio: “o primeiro-ministro diz que não tem nada a ver com a Electra, quem tem, então? Digam!” Ninguém responde, mas pressente-se que toda a gente percebeu o “toque”, e um sorriso discreto rasga o rosto sulcado de rugas de uma velha senhora que, estoicamente, aguarda a vez de encher o modesto garrafão de cinco litros.

CALAMIDADE PÚBLICA

Ulisses ouviu atentamente os populares
Ulisses ouviu atentamente os populares
Coincidindo com a chegada do presidente da Câmara Municipal da Praia, o camião cisterna chega ao pequeno largo e inicia o processo de enchimento do tanque. A capacidade do chafariz está entre as 10 e as onze toneladas, o que é pouco, francamente pouco para quem está há várias horas fazendo fila, não raras vezes marcando vez com os bidões – porque, no entretanto da espera, as mulheres têm de cuidar da criançada, da lide da casa e de catar, não raras vezes na venda de rua, o sustento da família: uma míngua de nada que nem cala os estômagos…

Os operadores de câmara posicionam-se, os jornalistas empurram gravadores e o presidente lança o primeiro repto: “É quase uma situação de calamidade pública, porque uma cidade de 150 mil habitantes sem água durante uma semana é mau, mas durante duas é muito pior. E sem a perspectiva de resolver o problema, já é gravíssimo”. Ulisses, com clareza explica a posição do executivo autárquico: “tendo em conta que eram trabalhos que estavam previstos fazer, esperávamos que o prazo dado pela Electra fosse para cumprir, e teria que ser encontrada uma alternativa para o fornecimento de água à população. Nem uma coisa nem outra foram feitas”.

Paciência começa a chegar ao fim
Paciência começa a chegar ao fim
MISTURA EXPLOSIVA

Estava lançado o mote para o resto da conversa, nomeadamente, ao referir pouco depois que “as perguntas que têm de ser feitas são as seguintes: para fazer uma obra numa cidade de 150 mil habitantes é preciso parar o fornecimento de água?” Um questão pertinente à qual ainda ninguém respondeu, principalmente quem era suposto - a Electra e o Governo. Mais ainda, segundo Correia e Silva – reportando-se à avaria de um dos grupos de dessalinização -, “aquilo que tem de ser feito é um inquérito para apurar responsabilidades, se a manutenção do equipamento está a ser efectuada da melhor forma. Porque param fornecimentos e nunca ninguém é responsável, todo o mundo rindo e cantando e a população sofrendo. Isto é revoltante e estamos aqui para dizer que somos solidários com a população”.

Na mesma altura em que o presidente da CMP se encontrava com populares e jornalistas, decorria no gabinete do primeiro-ministro uma reunião convocada à pressa, entre colaboradores de José Maria Neves e responsáveis do município da capital. Fora de Santiago, em visita oficial, o primeiro-ministro não participava na reunião, agora que, contrariando postura inicial, resolveu fazer “blackout” ao escaldante dossiê Electra.

Electra, diga-se de passagem, que passou das 28 mil toneladas de água por mês, que fornecia ao município por altura da vereação de Felisberto Vieira (Filú), para uma exígua metade após a tomada de posse de Ulisses Correia e Silva. Outra nebulosa medida de administração sem qualquer explicação razoável à vista, que suscita as mais diversas suposições.

Apesar da míngua de água, a autarquia da Praia, nestes tempos de calor e desesperos à solta, tem, ainda assim, garantido cerca de 20 por cento do fornecimento que efectuava antes do corte, abastecendo-se em S. Domingos e São Lourenço dos Órgãos, revendendo à população a preço baixo, suportando o prejuízo com o precário orçamento municipal. Água que a CMP compra à Electra (!?) que, apesar de responsável pelo dano público das suas inexplicáveis [e inexplicadas] incongruências, mesmo assim, vai buscar lucro ao sofrimento e constrangimentos que provoca.

CULPA NÃO PODE MORRER SOLTEIRA

A somar à falta de água, sucedem-se os apagões por toda a cidade, o que, ainda segundo Ulisses, “é uma mistura explosiva”, adiantando: “a partir de agora é tolerância zero”. E a declaração, saída ali num repente, bateu fundo em quem o ouvia atentamente, provocando sinais de assentimento.

“A capital de um país de rendimento médio, com uma população de cerca de 150 mil pessoas, colocada sem água durante duas semanas é o caos. E o mais grave é que não há perspectivas de se resolver o problema. Pode ser mais um dia ou mais um mês. Isto é de uma gravidade extrema, porque mexe com a vida das pessoas e das empresas, mexe com o sistema de ensino e coloca problemas de saúde pública. Estamos quase em situação de declaração de calamidade se esta situação não for resolvida rapidamente”, remata o presidente, não sem antes lançar um aviso: “A Electra não é um corpo estranho dentro da estrutura governativa, é um instrumento. Portanto, a responsabilidade directa e indirecta, nesta matéria, é do governo. E é preciso responsabilizar a Electra e o Governo. A culpa não pode morrer solteira.”

Fonte: Jornal Liberal - 03/06/11

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