Ao fim de duas semanas sem água, e à míngua de electricidade por largos períodos, o edil da Praia foi ao encontro do povo, sentindo as dores das gentes que se plantam de ar austero e irritado nas filas de bidões que enxameiam as frontarias de chafarizes
Os bidões fazem fila, num serpentear de amarelo que se espraia na rua. |
“Todo mundo sabe que a culpa não é da câmara”. Assim, sem mais, o homem pequeno atira para a frente um vozeirão a contrastar com a modesta estatura, como que a saudar Ulisses Correia e Silva que, nesse mesmo momento, abraça o povo com o olhar, num sinal que diz tudo e que é devolvido nos rostos de cada um, de cada uma, das pessoas cansadas de não terem água nem voz.
Indignação popular sobe de tom |
CALAMIDADE PÚBLICA
Ulisses ouviu atentamente os populares |
Os operadores de câmara posicionam-se, os jornalistas empurram gravadores e o presidente lança o primeiro repto: “É quase uma situação de calamidade pública, porque uma cidade de 150 mil habitantes sem água durante uma semana é mau, mas durante duas é muito pior. E sem a perspectiva de resolver o problema, já é gravíssimo”. Ulisses, com clareza explica a posição do executivo autárquico: “tendo em conta que eram trabalhos que estavam previstos fazer, esperávamos que o prazo dado pela Electra fosse para cumprir, e teria que ser encontrada uma alternativa para o fornecimento de água à população. Nem uma coisa nem outra foram feitas”.
Paciência começa a chegar ao fim |
Estava lançado o mote para o resto da conversa, nomeadamente, ao referir pouco depois que “as perguntas que têm de ser feitas são as seguintes: para fazer uma obra numa cidade de 150 mil habitantes é preciso parar o fornecimento de água?” Um questão pertinente à qual ainda ninguém respondeu, principalmente quem era suposto - a Electra e o Governo. Mais ainda, segundo Correia e Silva – reportando-se à avaria de um dos grupos de dessalinização -, “aquilo que tem de ser feito é um inquérito para apurar responsabilidades, se a manutenção do equipamento está a ser efectuada da melhor forma. Porque param fornecimentos e nunca ninguém é responsável, todo o mundo rindo e cantando e a população sofrendo. Isto é revoltante e estamos aqui para dizer que somos solidários com a população”.
Na mesma altura em que o presidente da CMP se encontrava com populares e jornalistas, decorria no gabinete do primeiro-ministro uma reunião convocada à pressa, entre colaboradores de José Maria Neves e responsáveis do município da capital. Fora de Santiago, em visita oficial, o primeiro-ministro não participava na reunião, agora que, contrariando postura inicial, resolveu fazer “blackout” ao escaldante dossiê Electra.
Electra, diga-se de passagem, que passou das 28 mil toneladas de água por mês, que fornecia ao município por altura da vereação de Felisberto Vieira (Filú), para uma exígua metade após a tomada de posse de Ulisses Correia e Silva. Outra nebulosa medida de administração sem qualquer explicação razoável à vista, que suscita as mais diversas suposições.
Apesar da míngua de água, a autarquia da Praia, nestes tempos de calor e desesperos à solta, tem, ainda assim, garantido cerca de 20 por cento do fornecimento que efectuava antes do corte, abastecendo-se em S. Domingos e São Lourenço dos Órgãos, revendendo à população a preço baixo, suportando o prejuízo com o precário orçamento municipal. Água que a CMP compra à Electra (!?) que, apesar de responsável pelo dano público das suas inexplicáveis [e inexplicadas] incongruências, mesmo assim, vai buscar lucro ao sofrimento e constrangimentos que provoca.
CULPA NÃO PODE MORRER SOLTEIRA
A somar à falta de água, sucedem-se os apagões por toda a cidade, o que, ainda segundo Ulisses, “é uma mistura explosiva”, adiantando: “a partir de agora é tolerância zero”. E a declaração, saída ali num repente, bateu fundo em quem o ouvia atentamente, provocando sinais de assentimento.
“A capital de um país de rendimento médio, com uma população de cerca de 150 mil pessoas, colocada sem água durante duas semanas é o caos. E o mais grave é que não há perspectivas de se resolver o problema. Pode ser mais um dia ou mais um mês. Isto é de uma gravidade extrema, porque mexe com a vida das pessoas e das empresas, mexe com o sistema de ensino e coloca problemas de saúde pública. Estamos quase em situação de declaração de calamidade se esta situação não for resolvida rapidamente”, remata o presidente, não sem antes lançar um aviso: “A Electra não é um corpo estranho dentro da estrutura governativa, é um instrumento. Portanto, a responsabilidade directa e indirecta, nesta matéria, é do governo. E é preciso responsabilizar a Electra e o Governo. A culpa não pode morrer solteira.”
Fonte: Jornal Liberal - 03/06/11
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